sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Uma charrete e uma Olivetti

Entrei tarde no mundo digital. Já lia a Cora Rónai no JB mas ainda batucava meus textos na pequena máquina de escrever Olivetti que me acompanhou nas mais deliciosas aventuras com as palavras. Eis que veio o primeiro computador, depois o segundo, depois não sei quantos, e hoje a maior parte do que faço é conectada nesse admirável mundo novo que pisca dentro da luzinha do modem.

Oito anos atrás resolvi me mudar para a casa onde passava fins de semana. Sempre gostei da roça, das plantas, dos pássaros, de contemplar a natureza e me espelhar nela. Também do mar, sim, muito, mas a escolha foi pelas montanhas altas que me dão proteção e conforto, mais um frescorzinho extra à noite. E o que desencadeou a mudança? Uma oferta de banda larga da Oi, logo após a chegada do telefone na região.

Contava com os problemas. Luz faltando volta e meia. Primeiro consegui lampiões a gás, vendidos abertamente enquanto os bujões pequenos que os alimentam só saiam da loja por baixo do balcão. Soube que estavam proibidos, mas logo aprendi que os motoristas que entregam gás se encarregam de enchê-los e cobrar o triplo do que valem. Aprendi também a colocar a camisinha, não me entendam mal, e tacar fogo nela até obter a luz incandescente que me salvava da escuridão. Um dia apareceram as boas lanternas de led, recarregáveis, de chacoalhar, de apertar – todos os tipos frequentaram a casa por algum tempo, logo substituídos por outra maravilha iluminante.

Nem lanternas nem bujões a gás, porém, me permitiam usar o desktop, e a bateria do laptop ficava me pressionando para acabar logo antes que ela mesma acabasse. Assim não dava. Inspirada num vizinho, catei caraminguás na poupança e investi num sistema simples que só me deu alegrias: uma boa bateria de carro, um carregador de bateria e um inversor de corrente. Hahaha, digo eu quando a luz acaba. Tomo banho quente com aquecedor a gás e não me abalo nem um pingo em relação ao desktop, que está ligado no bendito inversor o tempo todo, me dando exatamente o conforto que eu esperava e mais: a gratidão que se tem hoje em dia por qualquer coisa que funcione corretamente.

Já a banda larga deu trabalho. Não tem viabilidade técnica, disse o rapaz no telefone oito anos atrás. E eu: Meu senhor, isso não é possível. Vocês ofereceram. Queimei meus navios e me instalei aqui, construí casa nova e me mudo em um mês, tem que ter banda larga porque eu trabalho com ela. Vou passar a senhora para o supervisor. Sim. E o supervisor insiste na falta de viabilidade, enquanto eu insisto no fato de que eles é que provocaram minha mudança, como ofereceram se era pra não cumprir? E o rapaz: Mas a senhora não tem prova de que o serviço foi oferecido. E eu: Como não? Tenho o email da firma tal, tá aqui. Ah, então manda pra mim.

Mandei. Diante do inevitável, fizeram o mínimo possível e me instalaram aqui uma bandinha de 600k, medindo na hora um download de 150k. O rapaz ria de orelha a orelha: É bem mais que uma conexão discada, a senhora vai ficar confortável.

Fiquei, de fato. Menos quando dava problema no poste. Ou chovia. Ou ventava muito. Ou um raio caía. Lá ia eu com o laptop para a lanzinha do povoado, trabalhar de pé no balcão durante duas, três horas.

De lá para cá o sinal do celular começou a dar o ar da graça. Assaltei a poupança de novo e comprei um iPad, que dava três barrinhas de sinal enquanto no celular só havia duas. Dava pra ver os emails. Pra ver se o site havia vendido alguma coisa (pois esta é uma parte importante do meu dia: atender ao leitor que entrou lá, escolheu um livro, pagou e deve recebê-lo). Mas não dava pra movimentar os blogs e o face. Tudo esperava a banda larga voltar.

Aí, um ano atrás, o velox entrou em colapso. Velocidade máxima 39k descendo a 3, 4k e sumindo. Fiz uma campanha cerrada de reclamações e acabou aparecendo aqui um supervisor, simpático feito ele só. Explicou que a placa do velox estava vencida, sem chance de me dar algo melhor do que uma oscilação constante, quedas totais e uma ansiedade brutal. Garantiu que o equipamento seria trocado; e nada aconteceu. Resumindo, longos meses depois perdi a esperança e recomecei – em agosto – as reclamações na Oi e na Anatel. Mas nada se resolve.

Sim, já estou na fila para o satélite caro, já comprei o modem wifi que quebra o galho, já sei do celular rural com modem e antena, tô virando especialista em alternativas para o meu caso porque não seria justo, no Brasil de hoje, esperar que alguém obrigue Sua Majestade a Oi a fazer alguma coisa decente para mim e para todos os usuários da região que ainda sofrem mais que eu, mesmo sendo concessão pública, havendo toda a infra instalada e contas altas sendo pagas em dia. 

Volto da lanzinha do povoado pela estrada esburacada e penso: que sortuda sou por poder morar aqui antes que o dono dessas fazendas transforme tudo em condomínios de apartamentos, como vem acontecendo Petrópolis afora. A conexão pode até melhorar, mas a paisagem… 

Que sortuda por não perder a noção de que a vida se faz de matéria orgânica. Por gostar dos cheiros da roça, do fogão de lenha, das bostas de vaca e de cavalo pelo caminho. Os próprios deitados na ponte. Ôôôôôô, vaca, ôôôôô cavalo, ôôôôô

Pra viver só preciso de um pouco de água, um pouco de terra, um fogãozinho, algum dinheiro. Algum afeto sincero. Sol. Passarinhos.

Umas galinhas no quintal pra botar ovo, uma horta modesta, um limoeiro. 

Logo me pego pensando em mudar para mais longe e comprar uma charrete. E, quem sabe, uma Olivetti.


Feliz 2015 pra todos!