terça-feira, 29 de março de 2011

Monja Coen: Japão e kokoro, coração-mente-essência


Recebi e repasso este texto da monja Coen Sensei, que nos fala do Japão e dos japoneses através de um olhar budista, treinado como eles para conhecer e manter contato com o que é essencial na vida.

JAPÃO

Quando voltei ao Brasil, depois de residir doze anos no Japão, me incumbi da difícil missão de transmitir o que mais me impressionou do povo Japonês: kokoro.

Kokoro ou Shin significa coração-mente-essência.

Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar à serviço e disposição do grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?

Outra palavra é gaman: aguentar, suportar.  Educação para ser capaz  de suportar dificuldades e superá-las.

Assim, os eventos de 11 de março, no Nordeste japonês, surpreenderam o mundo  de duas maneiras.

A primeira pela violência do tsunami e dos vários terremotos, bem como dos perigos de radiação das usinas nucleares de Fukushima.

A segunda pela disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de todas as vítimas.

Filas de pessoas passando baldes cheios e vazios, de uma piscina para os banheiros.

Nos abrigos, a surpresa das repórteres norte americanas: ninguém queria tirar vantagem sobre ninguém.  Compartilhavam cobertas, alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens. Cada qual se mantinha em sua área.  As crianças não faziam algazarra, não corriam e gritavam, mas se mantinham no espaço que a família havia reservado.

Não furaram as  filas para assistência médica – quantas pessoas necessitando de remédios perdidos – mas esperaram sua vez também para receber água, usar o telefone, receber atenção médica,  alimentos, roupas e escalda pés singelos, com pouquíssima água.

Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da morte.

Nos supermercados lotados e esvaziados de alimentos, não houve saques.  Houve a resignação da tragédia e o agradecimento pelo pouco que recebiam.  Ensinamento de Buda, hoje enraizado na cultura e chamado de kansha no kokoro: coração de gratidão.

Sumimasen é outra palavra chave.  Desculpe, sinto muito, com licença. Por vezes me parecia que as pessoas pediam desculpas por viver.  Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar, desculpe precisar falar com você, ou tocar à sua porta.  Desculpe pela minha dor, pelo minhas lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação que estamos causando ao mundo.   

Sumimasen. Quando temos humildade e respeito pensamos nos outros, nos seus sentimentos, necessidades. Quando cuidamos da vida como um todo, somos cuidadas e respeitadas.

O inverso não é verdadeiro: se pensar primeiro em mim e só cuidar de mim, perderei.  Cada um de nós, cada uma de nós é o todo manifesto.

Acompanhando as transmissões na TV e na Internet pude pressentir a atenção e cuidado com quem estaria assistindo: mostrar a realidade, sem ofender, sem estarrecer, sem causar pânico.

As vítimas encontradas, vivas ou mortas eram gentilmente cobertas pelos grupos de  resgate e delicadamente transportadas – quer para as tendas do exército, que serviam de hospital, quer para as ambulâncias, helicópteros, barcos, que os levariam a hospitais.

Análise da situação por especialistas, informações incessantes a toda população pelos oficiais do governo e a noção bem estabelecida de que “somos um só povo e um só país”.

Telefonei várias vezes aos templos por onde passei e recebi telefonemas.  Diziam-me do exagero das notícias internacionais, da confiança nas soluções que seriam encontradas e todos me pediram que não cancelasse nossa viagem em Julho próximo.

Aprendemos com essa tragédia  o que Buda ensinou há dois mil e quinhentos anos: a vida é transitória,  nada é seguro neste mundo,  tudo pode ser destruído em um instante e reconstruído novamente.

Reafirmando a Lei da Causalidade podemos perceber como tudo  está interligado e que nós humanos não somos e jamais seremos capazes de salvar a Terra.  O planeta tem seu próprio movimento e vida.  Estamos na superfície, na casquinha mais fina.  Os movimentos das placas tectônicas não tem a ver com sentimentos humanos, com divindades, vinganças ou castigos.  O que podemos fazer é cuidar da pequena camada produtiva, da água, do solo e do ar que respiramos.  E isso já é uma tarefa e tanto.

Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à reconstrução.

Esse exemplo de solidariedade, de bravura, dignidade, de humildade, de respeito aos vivos e aos mortos ficará impresso em todos que acompanharam os eventos que se seguiram a 11 de março.

Minhas preces, meus respeitos, minha ternura e minha imensa tristeza em testemunhar tanto sofrimento e tanta dor de um povo que aprendi a amar e respeitar.

Havia pessoas suas conhecidas na tragédia?, me perguntaram. E só posso dizer : todas.  Todas eram e são pessoas de meu conhecimento.  Com elas aprendi a orar, a ter fé, paciência, persistência.  Aprendi a respeitar meus ancestrais e a linhagem de Budas.

Mãos em prece (gassho)

Monja Coen

11 comentários:

  1. Que bacana Sonia, obrigado, e obrigado `a Monja Coen, vamos compartilhar! abraços

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  2. Fantástico!

    Muito obrigado Sonia, Muito obrigado Monja Coen!

    João

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  3. Belissimo relato... Sinto que ela nos pega pela mao e nos ensina com imagens de bravura, poesia, respeito. Temos tanto a aprender!

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  4. Que lindo! Quantas lições a aprender! Bjs

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  5. Acho que no fundo ela fala de uma única coisa: ego e como nós somos egocêntricos.

    Adorei :-)

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  6. Sônia, olha a idéia do Masaru Emoto (pra fazer hoje) quanto aos eventos no japão: http://emotopeaceproject.blogspot.com/2011/03/para-pessoas-de-todo-o-mundo.html

    Outra coisa: vc tem conhecimento sobre terapia com cloreto de magnésio para diversos fins? No momento procuro para hérnia discal.
    Obrigada
    Ariana

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  7. Oi, Ariana, o cloreto de magnésio limpa os intestinos e ajuda em diversos processos, mas para hérnica discal só conheço mesmo é alongamento - muito - bem feito. O cloreto de magnésio pode ajudar a relaxar para alongar direito. Um abraço!

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  8. Esses back links às vezes me deixam nervosa. Batata sauté no microondas é tudo o que não recomendo.

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  9. Sonia, obrigada por compartilhar o texto da Monja Coen. Além de tocar o nosso coração, a descrição impecável dos fatos, da disciplina oriental de compartilhar com todos num momento tão crucial no Japão nos dá uma grande lição de solidariedade e fé. Valeu!
    Abs,

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  10. Já morei no Japão e amo aquele País.
    E de fato, a educação e disciplina é de cair o queijo e não levantar mais.
    Quando conto para meus amigos, ninguém acredita!
    E a Globo,com suas reportagens sobre os dekassekis me causavam espanto, quanta inverdades e distorções.
    Abs,

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Deixe seu comentário ou pergunta, se quiser, mas saiba que no momento é improvável eu responder, devido a mil coisas, cursos & viagens. Também vem novidade web aí. Agradeço. Abraços, Sonia

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