Quer fazer um pão integral de verdade? Aqui vai a minha receita predileta.
Comece por imaginar que você vive nos tempos de Jesus, vizinha de porta de Maria Madalena. É noite. Todos foram deitar. Você, na cozinha, despeja numa vasilha duas ou três medidas de farinha de trigo fresca, junta água até obter uma papa grossa, cobre com um pano úmido, apaga o candeeiro e vai dormir.
Na manhã seguinte você levanta antes do sol e verifica que a tal papa fermentou, como previsto. Acrescenta uma pitada de sal, uma colher de óleo e começa a juntar farinha. Vai mexendo e juntando farinha aos poucos até ficar em ponto de massa.
A etapa seguinte é o corpo a corpo. Avental, pano na cabeça, mangas arregaçadas, você polvilha a mesa com farinha e começa a trabalhar a massa. Amassa a massa, amassa, amassa, até que ela fica ligada que nem puxa-puxa. Puxa, dobra, bate na mesa, estica de novo, polvilha mais farinha se for o caso, bate, dobra, fica com a musculatura dos braços supimpa à custa de sovar a massa do pão durante meia hora. Ela já não gruda nas mãos e tem a consistência do lóbulo da orelha. Está pronta.
Aí descansam ambas, sendo que ela fica crescendo o dia todo já na assadeira untada, coberta por um pano seco. À noite vai ao forno baixo por cerca de uma hora.
Na manhã seguinte todos comem desse pão. Ele é forte e rústico. Pode levar um quilo de farinha, cerca de 400 gramas na papa e o resto na sova. Quanto mais sovar, e quanto mais natural a água, melhor. E essa farinha é integral, puro trigo local moído há poucos dias entre duas pedras. Quando deseja um pão mais leve, você peneira uma parte da farinha; o farelo que fica vai enriquecer sopas e mingaus ou dar alegria às cabrinhas no terreiro. Nada se desperdiça.
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Dois mil anos depois, no Brasil, a receita não muda. O pão, seja integral, misto ou refinado como o pão francês, continua fazendo parte do dia a dia. Claro que o trigo nem sempre é local, já que produzimos pouco, e só felizardos podem usar farinha fresca.
– Mas essa sua receita de pão demora muito!, reclama a leitora. – Não pode ser mais rápido?
Claro que pode, querida, os fermentos estão no mercado para isso mesmo, só que nunca usei. Quando quero um pão rápido prefiro fazer chapati, o pão indiano com formato de boina.
Mudou o cenário. Você, agora enrolada num lindo e colorido sari de seda pura, põe na vasilha três a quatro xícaras de farinha integral, uma de água, uma colher (sopa) de óleo de girassol, meia colher (chá) de sal. Também tem que sovar muito para obter a liga. Pronta a massa? Firme, macia e lisinha? Ótimo. Divida em quatro bolinhas iguais e achate cada uma delas com as mãos ou com o rolo de madeira. Enquanto isto o forno está aquecido a 200oC. Você unta a assadeira e ajeita nela os quatro círculos iguais. Assa por quinze minutos, vira e deixa mais dez a quinze minutos, ou até os pães estarem ligeiramente dourados e ocos por dentro.
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Sobrou massa. Então, quem sabe você agora é a filha mais velha de uma família chinesa contemporânea de Lao Tsé; está na cozinha e vai aproveitar para fazer mien ching, conhecido aqui como seitan ou glúten, a proteína do trigo, que é ativada pela sova e vira puxa-puxa.
Coloque a massa sovada numa vasilha com água morna e deixe descansar meia hora. Volte a amassar dentro da água, que vai ficar grossa, cremosa, esbranquiçada pelo amido e cheia de farelo. Guarde essa água rica para usar em sopa ou mingau e passe a lavar o que agora se chama seitan debaixo da torneira, inteiro ou aos pedaços, de modo a eliminar todo o farelo. (Também pode fazer o seitan com farinha branca ou diretamente com farinha de glúten.)
O passo seguinte é cozinhar o bloco de seitan num molho gostoso. Os macrobióticos fritam antes em óleo bem quente e depois misturam meio a meio água e shoyu, uma xícara de cada, acrescentando alho, cebola, sumo de gengibre, hortelã e outras ervas; forram o fundo da panela com tiras de alga kombu, para o quitute não grudar; cozinham durante uma hora ou até o caldo quase secar. Depois cortam em fatias ou pedacinhos e inventam mil usos.
do livro Amiga Cozinha
Oi Sonia!
ResponderExcluirPra ficar mais indiano ainda, eu sempre fiz a minha chapati com ghi. Fica delicioso, claro!
Beijo e obrigada pelas dicas. O emplastro de inhame tem feito milagres no meu rosto!
OI? Sonia, hoje, relendo a revista Bons Fluidos(04/2003), vi uma receita de doces de frutas sem açucar que gostaria de publicar no meu blog(fiz a sua receita e amei!)Por favor, diga sim ou não deixando um comentario no meu blog(eu e você), sim? Desde já agradeço!
ResponderExcluirQuerida Sonia,
ResponderExcluirQue sincronicidade!!! Ontem lia Amiga Cozinha antes de dormir, levantei e fui fazer o pão, prepará-lo para hj cedo. Mas não deu certo! :(
Não sei se erro a quantidade de farinha, de água!Vc teria as medidas exatas? Para 3 xic de farnha de trigo integral, quanto de água?
Tô aguada por esse pão! =)
Beijo grande!!!
Oi, Pérola, a massa fermenta durante a noite, o pão cresce durante o dia, você só iria assá-lo hoje à noite para comer amanhã... Confere? Não tenho a receita com medidas. Para a papa é menos da metade da farinha para um pão, digamos 400 gramas, e água suficiente para uma papa grossa. Boa sorte na próxima!
ResponderExcluirOi, Heloísa, todo o meu material é liberado para reprodução, então você pode publicar no seu blog sem problemas. Um abraço!
ResponderExcluirQue post lindo, pura poesia.
ResponderExcluirO Leminski dizia que amor é pão feito em casa, tem seu tempo.
Obrigada Sonia!
ResponderExcluirNão vou deixar de tentar, não!!!
Beijo grande!
Pérola
Eu, que gosto de uma novidade, pergunta: pode-se acrescentar recheios, sementes, castanhas e ervas na massa ou desanda tudo?
ResponderExcluir:)
Pode-se. Só que recheios e sementes e castanhas e até ervas podem introduzir fungos e fermentações indesejáveis. Tudo tem seu preço...
ResponderExcluirpura poesia na receita de pão!adorei!vou tentar qq hora!
ResponderExcluirsonia, implementei o DIA SEM CARNE na boa, já tem tempo. mas o mesmo não posso dizer do DIA SEM DOCE! me ajuda??? como evitar/minimizar a gastura q dá ficar sem açucar? não consigo...vc tem alguma sugestão?bju!
Oi, Rosita, tenho várias sugestões, espalhadas em muitos livros e textos; faço tudo para convencer todo mundo a comer menos açúcar. Sugiro ler o Sem açúcar com afeto - www.correcotia.com/semacucar . E às vezes é bom tomar um vermífugo, pois lombrigas e outros bichos nos tornam muito mais compulsivos do que seríamos sem eles. Um abraço!
ResponderExcluirSonia, adorei este post...To louca pra ler o livro inteiro....COmo são anos de "deseducação alimentar", é preciso disciplina para incorporar todo este conhecimento....
ResponderExcluirOi, Monica, você tem toda razão. Não é só a alimentação, é um pacote, um estilo de vida mais consciente. Para mim a educação alimentar foi uma tábua de salvação que me levou a um porto mais seguro, embora flutuante, como todos.
ResponderExcluirA verdade é que é muito mais fácil comer mal do que comer bem. Mas quando você muda o padrão, o bem estar que se segue é inacreditável. Mesmo escapulindo de vez em quando, a gente sempre sabe para onde deve voltar. Um abraço!
Sônia,
ResponderExcluirCostumo pedir a comida de um restaurante vegano para almoçar no escritório e sempre há seitam na forma de "bife acebolado" ou misto com alho. Após fazer hidrocolonterapia, estou buscando espaçar mais a ingestão de glúten. Mesmo não sendo celíaca, devo evitar o seitam por ser a forma "pura" do glúten? Gostaria de sua opinião, se possível. Um abraço!
Oi, Patricia, acho que comer menos farinha faz bem para todo mundo. Quanto ao glúten, não vejo problema algum. E desconfio de todas as afirmações em contrário, inclusive sobre "doença celíaca", já que parasitoses crônicas como giardíase e amebíase, jamais diagnosticadas, produzem o mesmo tipo de sintoma e aparência intestinal. A depender da minha opinião, que não é médica, você pode continuar a comer com gosto o seu bife acebolado de seitan. Um abraço!
ResponderExcluirEsse texto é muito lindo, realmente.
ResponderExcluirFaço o meu chapati toda orgulhosa como última atividade do dia depois de molhar as plantas e funciona como uma terapia antes de ir para a cama. Não tem preço mexer naquela massa sabendo que terei uma coisa gostosa e saudável pela manhã sem depender de fabricações obtusas por aí, além do intestino funcionar que é uma beleza...
Ultimamente tenho feito com farinha de centeio, fica muito gostoso, mas não é tão fácil quanto amassar o trigo.
Beijos
Esqueci no coment anterior. Onde encontrar farinha de glúten, afinal? Tá difícil. Por mais que se reaproveite a água da lavagem com a farinha de trigo não consegui evitar a sensação de desperdício sabendo que pode ser feita com farinha de glúten, mas... Não acho essa farinha em lugar algum. Quem souber pelo Rio de Janeiro deixa a dica plz.
ResponderExcluirOlá...luis quem diz: esse lance d chapati fiz hj muito bom não o conhecia gostaria d saber se tem q colocar óleo na massa msm alguém poderia me dizer obrigado.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEi Sonia, sei que o post é antigo, mas eu vim pra deixar uma contribuição sobre o pão, porque só agora que fiz... Dizer que sua receita é magnífica, muito intuitiva, fiquei imaginando o tempo da roça e me joguei. O pão é lindo, o sabor que ao mesmo tempo é fortíssimo é suave, uma delícia. Estou apaixonada. Agradeço de coração por tanta sabedoria compartilhada.
ResponderExcluirOlha ele: https://fbcdn-sphotos-g-a.akamaihd.net/hphotos-ak-frc3/845_697428233601851_1727289992_n.jpg
Que gostoso, Bianca. Nada como receber um comentário assim. Obrigada, um abraço!
ResponderExcluirolá, me desculpe, eu estava procurando sobre o chapati e cai aqui. Comecei a ler. Na verdade o pão Essenio(Jesus era essenio), segundo o evangelho essenio da paz, descoberto em 1920, esse pão não ia a forno. Ele era produzido com trigo germinado, e feito ao sol. Você vai encontrar muitas informações através do Dr Alberto Gonzalez. Eu faço bastante dele aqui em casa, germino as sementes do trigo, bato elas formando massa, formo o pão e sol para 'assar'(desidratar).os essenios não consumiam quaisquer tipos de alimentos que iam ao forno, sim, eles não tinham forno. ... gratidão
ResponderExcluirÉ mesmo, André? Que coisa.
ResponderExcluirOi Sônia! adorei as receitas, mas o que encanta mesmo é o jeito poético e carinhoso com que escreve. Eu nunca fiz pão, portanto tenho zero experiencia nisso. qual a melhor receita de pão para estrear? Abraço, Fernanda
ResponderExcluirEssa mesma, uai… :-)
ResponderExcluirOi Sonia, podemos incluir amendoas no pão? ou tem o mesmo problema de trazer fungo?
ResponderExcluirse a amêndoa não tiver fungos… você pode deixá-la de molho por 12 horas e descascar antes de colocar na massa.
ResponderExcluirOi Sonia
ResponderExcluirO que fazer quando a dieta já dura 6 meses, já perdi muitos kilos vários sintomas melhoraram porém permanece o prurido anal?
Duro que nem pedra.
ResponderExcluirOlá Sonia, aprendo muito sobre alimentação com você, li quase todos seu livros. Porém, no momento estou lendo 'barriga de Trigo' do dr William Davis, segundo ele o trigo de hoje é muito diferente do trigo de Jesus, após a segunda guerra o trigo sofreu tantas modificações que tornou-se praticamente outro alimento e extremamente maléfico para nos. Gostaria de saber o que você acha disso? Pois se o trigo de hoje for tão ruim assim não adianta moermos com pedra, fazer a fermentação natural e tudo mai, pois o pão será de qualquer maneira um alimento ruim. Você tem alguma opinião sobre isso? Muito obrigada Flavia
ResponderExcluirOlá sonia!! Esse pão indiano pode ser consunido para quem está com candidiase? Por causa do glúten.
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