"Bom dia Sônia, como vai?
"Escrevo pra dizer o quanto você é importante na minha formação alimentar e de vida. Desde muito tempo venho acompanhando seus livros e suas dicas preciosas. Agora descobrí que vc tem um blog, viva! Amo o jeito que vc escreve, as suas dicas divertidas e descomplicadas e a paixão que vc passa pra gente sobre a arte de comer bem, de cozinhar com amor e de apreciar esses momentos com muito sabor e alegria. Tenho um filhinho de 2 anos, sou vegetariana e ele tbm, e vc já é uma leitura obrigatória e necessária em nossa casa.
"Pois bem, mas tenho umas questões... dando uma olhada no seu blog é que eu me encorajei, este fim de semana, a fazer o tal pão integral dos tempos de Jesus. Mas preciso te dizer que eu fiquei com muitas dúvidas!
"Pra começar, eu fiquei em dúvida pra saber se a papa tinha fermentado ou não. Provei um pouquinho e senti um ardor na língua, pensei, acho que fermentou! E lá fui eu pro amassa-amassa. Mas vem cá, a única água que entra é aquela que forma a papa? E o óleo, apenas 1 colher? Minina, estou com os braços doloridos até agora! Minha massa ficou dura demais e chegou um ponto que eu não podia mais acrescentar farinha, se não ia quebrar e esfarelar toda, de tão seca. Eu não sei se o tipo de farinha integral interfere, mas eu usei uma integral grossa da Pró-Vida, se não me engano...
"Eu sei que quanto mais eu tentava pôr farinha e sovar a massa, mais ficava impossível. Fiz isso até não dar mais, coloquei numa assadeira e deixer descansar. E ao longo do dia até a noitinha, nada desse pão crescer, é assim mesmo? Só fermento biológico que faz crescer pra valer? Bem, mas não desanimei e pus pra assar. Pra minha surpresa, ele até deu uma inchadinha, de leve, ficou duro feito um bloco de concreto, mas num é que ficou bem saboroso?! Claro que é bem diferente do pão integral que costumo fazer semanalmente, já que esse aqui num leva quase nada de sal e nada de açucar, fica mais duro (e como!), e o rendimento é de apenas um pão, mas achei ele com um gosto muito interessante! Resumindo, por acaso tem algum segredinho nesse pão?
"Outra coisa que passei a fazer muito e adoro é o doce de banana nanica. Só que sempre me esbarro no problema da panela. Como não tenho panela de pedra, faço na de esmalte e sempre sempre acaba grudando e formando aquela casquinha queimada no fundo, por mais baixo que esteja o fogo. É assim mesmo? Um dia quis tirar a prova e saí com um saco de bananas maduras e fui fazer na casa do meu vizinho, num fogão de lenha e usando uma panela de pedra. A mesma coisa, grudou também! E o tanto de água que vai formando durante o cozimento?! Eu tenho que ficar tirando com uma concha porque transborda muito, é assim mesmo? Já tentei fazer sem tirar essa aguaceira, mas grudou tbm!
"E por fim, tenho dúvidas sobre o leite de vegetais. Vc fala que é preciso deixar cozinhar por 3 horas, tudo isso??? E o rendimento, pra um copo apenas? Penso que por eu não ter fogão de lenha eu teria que fazer uma porção grande de leite pra valer a pena esse tempo todo de gás!
"Querida, gostaria muito que vc pudesse elucidar essas minhas dúvidas de leitora fiel, mãe, dona-de-casa e cozinheira. Te desejo muita criatividade e amor em sua profissão pra vc poder continuar essa linda missão que tanto nos alegra a vida e a alma.
Abraços.
Namastê."
Oi, Regiane,
muito obrigada pelas boas palavras sobre o meu trabalho - fico muito feliz por poder passar informações úteis através dos livros e do blog. Mas vamos às suas dúvidas.
Pão de fermentação caseira
A papa pode custar um pouco a fermentar, dependendo da temperatura ambiente. O ideal é que ela já estivesse com algumas bolhas quando você começou a amassar. Não estando, o jeito é adiar a feitura do pão e manter a vasilha em local morninho por mais algumas horas. O processo completo de feitura de uma 'esponja' de pão, que pode servir para fazer vários pães, leva uns três dias. Mas eu gosto desse outro processo simples exatamente porque não fermenta muito.
A quantidade de farinha que você vai acrescentar depende exatamente da água que já está lá na papa; você só acrescenta até certo ponto e vai amassando; ela não pode grudar nas mãos - nesse caso ponha mais farinha aos poucos, polvilhando a própria massa ou a mesa - e também não pode ficar dura. Na minha prática, geralmente são 400g de farinha na papa e 600g depois, ou quase isso. Mas pode ser menos.
A qualidade da água faz diferença. Já fiz pão em casa alheia e não cresceu, ou cresceu demais. Antes de perder a inocência eu achava que água mineral resolvia sempre, mas perdi - água mineral hoje pode ser qualquer coisa, até sobra de fabricação de cerveja. Mas você, morando em Viçosa, talvez seja bem aquinhoada com uma água boa. E o que realmente produz saber é a própria experiência, portanto: não desanime!
Sal e óleo: só isso mesmo, bem pouquinho.
Se o pão ficou com bom sabor, já é um ponto a favor da farinha que você usou. Não cresceu porque faltou fermentar - e, pelo jeito, faltou também sovar, porque pão que é pão deixa a gente com os braços musculosos de tanto dobrar e esticar e bater a massa - e, sim, doloridinhos...
Doce de banana nanica (d'água) sem açúcar
Ah, esse, sem panela grossa ou uma chapa de ferro por baixo, não dá. Aí é melhor colocar no forno, aproveitando que o tempo esfriou. E em travessa alta, porque solta mesmo muito caldo. Sempre em fogo baixo, bem baixo. É coisa de cozimento lento. O fogão a lenha do seu vizinho devia estar à toda, seria o caso de colocar a panela com as bananas na beirada da chapa, não em cima do fogo, e deixar o dia inteiro. Mas não pode mesmo encher a panela mais que 1/3, senão transborda. E não jogue fora o caldo, não - ele sai da banana mas volta, sabia? Tem uma hora em que ela fica só pele boiando, fantasminha de banana, depois absorve o caldo e recupera a personalidade. Bote fé.
Leite de vegetais ou de cereais?
Suponho que a sua pergunta seja sobre o leite de cereais, que deve cozinhar pelo menos três horas em fogo lento, porque o chamado leite vegetal se resume a deixar as castanhas, ou amêndoas, de molho durante a noite, bater no liqui e coar. Então vamos ao de cereais, excelente para bebês após o desmame, convalescentes, velhinhos e nas dietas esporádicas.
Ele tem que cozinhar três horas em fogo lento para que haja uma grande transformação nos amidos e nas próprias fibras. Há também uma acumulação benéfica de um calor suave, que nutre o sistema de aquecimento do corpo. Só deu um copo porque era pouca água. Isso é uma coisa que se deve levar em conta nas receitas de cozimento longo: se o fogo for um pouco mais alto, como em todos os fogões muderrnos, será preciso acrescentar água. Se a panela for de chapa fina, idem. Minhas receitas são testadas em panelas de pedra, que têm o fundo e as laterais bem grossos, então o calor é distribuído por igual. Assim mesmo, uma chapa de ferro ou pedra por baixo nunca é demais.
Para quem não quer ficar vigiando, e mexendo a panela de vez em quando, existem as
slow cookers ou
crock pots, panelas elétricas de cozimento lento que já vi à venda na Liberdade, em SP. Não são as panelas elétricas de arroz e, atenção atenção, não são de teflon ou tefal ou qualquer outro antiaderente. Para dizer a verdade, nem são panelas. Trata-se de uma tijela grande de cerâmica, com tampa, que encaixa em uma forma fininha de lata que conta com uma resistência elétrica ínfima, suficiente para aquecer a cerâmica e mantê-la quente depois.
Agradeço a oportunidade que você me deu de esclarecer melhor esses pontos.
Um abração!